Artigo: O grande desafio da ciência brasileira

Por Silvio Meira

Estamos na Era do Conhecimento. Competir depende de fundações já entendidas no mundo. Há livros, muitos, sobre o assunto. Vamos tratar apenas quatro delas, mais críticas e de maior impacto. Primeiro, gente, educada e treinada para criar, adaptar, compartilhar e usar conhecimento. Segundo, ecossistemas de inovação: universidades, centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação [PDI], parques tecnológicos, sistemas regulatórios e redes de empreendedores e investidores capazes de, articuladamente, produzir, adaptar, evoluir, transformar e aplicar conhecimento na solução de problemas locais, regionais e globais. Terceiro, infraestruturas compartilhadas – como as de informação e laboratórios de alta complexidade- de classe global. Por fim, um regime de incentivos e uma rede instituições que promovem, habilitam e investem nas três primeiras fundações de forma contínua, sistemática e sustentável no curto, médio e longo prazos.

 

O primeiro parágrafo resume a problemática da Ciência [e da tecnologia e inovação] no Brasil. Falta-nos gente educada e treinada, para o que precisamos de uma política e sistema nacional de educação que deve tratar o aprendizado desde a creche e alfabetização. Não se faz ciência, de classe e em escala global, capaz de impactar produtividade, bem-estar coletivo, competitividade de um país, a partir de acasos aqui e ali nos estágios iniciais e intermediários da educação, em especial do sistema público de educação fundamental e média, onde está a vasta maioria dos estudantes brasileiros.

 

Nossos ecossistemas de inovação nunca estiveram em pior estado, e não falo das políticas e do investimento nas universidades, centros de PDI e parques tecnológicos; as políticas, há tempos, inexistem e os investimentos, idem. Me refiro às pessoas: ciência, tecnologia e educação superior, da qual as duas primeiras dependem de forma intrínseca, são feitas por pessoas, movidas por desafios, propósito e incentivos, assim como nas empresas. Universidades e centros de pesquisa são abstrações conceituais e legais; seus prédios e laboratórios são meros espaços físicos. O que realmente importa, neles, são as pessoas, os professores e pesquisadores e seus alunos, muitos dos quais já perderam a esperança não só na Ciência brasileira, mas no Brasil como ele se encontra agora.

 

Das infraestruturas para a Ciência e PDI, tanto já se disse de seu estado de coisas que não é mais preciso explicitar sua penúria. Mas deve-se dizer que, sem laboratórios e instrumentos equivalentes aos que são usados nas economias com as quais competimos ou queremos competir, sem insumos, sem colaboração no país e com redes globais, não se deve esperar da Ciência brasileira resultados que, usados na prática, nos tornem tão ricos quanto o Uruguai -que tem mais do dobro da renda e dez vezes menos pobres, per capita, do que aqui.

 

O que dizer sobre os incentivos e as instituições para a Ciência -e PDI em geral-, onde deveriam estar a política, as estratégias e os grandes desafios nacionais? Quase nunca os tivemos como deveríamos e, quando foi o caso, na intensidade e pelo tempo minimamente necessários. O Ministério para Ciência e Tecnologia existe há 37 anos, período em que foi “reestruturado” 9 vezes e teve 23 ministros [um a cada 1,7 anos], dos quais apenas 13 sobreviveram pelo menos um ano no cargo. O que dá uma ideia da capacidade que o Estado teve, até agora, de criar políticas, articular estratégias e estabelecer grandes desafios nacionais. Investimento contínuo, sistemático e sustentável no curto, médio e longo prazos… nem pensar.

 

E o Brasil era bom nisso, há décadas. O desafio de auto-suficiência alimentar levou o Estado a criar incentivos e instituições, teve a Embrapa [nascida em 1972] como um dos seus esteios e é um exemplo global em educar e treinar muita gente, criar infraestruturas e formar ecossistemas de inovação. E tornar o Brasil exportador de alimentos. Não se trata de voltar cinco décadas… mas há desafios do presente exigem, além de novos aprendizados, que se desaprenda outras tantas que não funcionam mais, e se reaprenda outro tanto que se esqueceu e, de novo, são fundamentais.

 

Até porque há um grande desafio tão óbvio -e paradoxal- hoje, como há 50 anos: o Brasil, quarto maior exportador de alimentos do mundo, tem 60 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar, dos quais 33 milhões passando fome; a Holanda [45% da área de Pernambuco] é o segundo maior, sem registro de fome.

 

Não se trata apenas de um imenso desafio social e humano. É principalmente um grande desafio de transição de uma economia rudimentar e desigual para outra, de conhecimento, inclusiva e equitativa, onde ciência, tecnologia e inovação, e gente, educada e produtiva, globalmente competitiva, passa a ter um papel central na reconstrução do Brasil.

 

* Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.

** Silvio Meira é Chief Scientist na TDS.company e Professor Extraordinário da CESAR School.

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